segunda-feira, 15 de outubro de 2012

Exercício Freudiano a 10000 metros de altura

"É pra ver melhor o tombo"

Para alguém que sofre um pequeno medo de avião, começar uma viagem com uma frase dessas faz despertar, no mínimo, uma pequena angústia.

Depois de uns dois minutos sentada no meu assento do avião, um homem se dirigiu até mim e me perguntou se aquele assento era, de fato, meu. Olhei o cartão de embarque e me desculpei. Estava já me levantando quando ele me deteu dizendo que não haveria problema de eu sentar aonde estava. Agradeci e me acomodei novamente, porém, não pude deixar de notar uma certa aflição da parte dele. Perguntei novamente se ele gostaria de sentar no assento dele, por direito.

"É que eu gosto de janelas" - Ele disse
"Sem problemas"
Troquei de lugar

"É que quando eu era pequeno tinha muito medo de andar de avião e evitava janelas, agora, faço questão de sentar perto delas" Ele agradeceu, disse a frase que citei no começo do texto, entre risos, e se acomodou.

Seriam as janelas, portanto, os olhos da alma?
Para mim, estava mais do que claro que havia uma superstição naquilo tudo: Um medo infantil ainda faiscando na idade adulta e um hábito, considerado pelo homem, vital para que o voo ocorresse normalmente. Freud na prática.
O medo se prende na mais ínfima das coisas e nos menores gestos: batuques na perna, o roer das unhas, um tremelique no lábio, entre tantos outros.
Em suma inocência ou em simples exercício de fé, acabamos por nos apegar a um tipo de amuleto que acreditamos nos proteger de toda e qualquer situação.
O amuleto desse homem era, portanto, sentar perto da janela do avião em todas as suas viagens "garantindo", assim, a segurança do voo.
Seu medo latente foi confirmado por ele mesmo, cinco minutos após a decolagem:

"Voar é muito louco, né? Eu morro de medo, mas adoro."

O medo nos desafia, impõe limites e nos desperta os sentimentos mais antagônicos possíveis.
Ao sair do avião, notei que estava sem meu colar com o qual sempre viajo, meu amuleto, em outras palavras. Considerei que o hábito daquele homem serviu como uma compensação, mas acho melhor não arriscar na próxima viagem: me esforçarei para lembrar de usar meu colar.