segunda-feira, 29 de julho de 2013

Do caderninho pardo

O curta-metragem do David Lynch havia acabado e um canto breve, porém bonito, de um passarinho amezinou a atmosfera sombria, digna do diretor, que se alastrava pelo quarto.

Ela foi até a janela e lá estava a pequena ave, um simples passarinho urbano, pousada na tela de tecido já carcomida pelo tempo.
O contraste era bonito.
Tirou uma foto.
5,6 likes em dois minutos.
Voltou ao seu computador.
Porém, dessa vez, a cantoria não parava. Ela tentou mudar de cômodo, foi para a sala, para a cozinha, mas a melodia continuava em alto e bom som. Voltou ao seu quarto, abriu a janela novamente na tentativa de localizar a ave, não conseguiu, mas sentiu um vento fresco no rosto, nem parecia inverno.
E assim se deixou ficar por alguns minutos.
A cantoria do pássaro continuava, parecendo convidá-la a sair, o vento continuava soprando e seus olhos conseguiam enxergar beleza até no edifício cor de baunilha, do qual sempre reclamava por estragar a vista do seu quarto.
Decidiu, por fim, sair.
Abandonou Lynch, resgatou seu caderninho pardo e saiu pela porta da frente com três reais.
No elevador, não pode deixar de notar que sua respiração, sempre um pouco constipada, lembrava vagamente o pio de um passarinho, daqueles urbanos.





sexta-feira, 12 de julho de 2013

#Crônica: Concisão e Religião

- Meu Deus, você viu o que aconteceu?
- O que você disse?
- “Você viu o que aconteceu?”
- Não, antes disso...
- “Meu Deus”...
- Você não é ateu?
- Sou, ué.
- Então você não pode falar essa expressão se você não acredita em Deus...
- Mas é uma expressão comum...
- Não interessa, não condiz com a sua descrença.
- E você? Se diz católico, mas nunca vai à Igreja!
- É que eu não tenho muito tempo...
- Então não é católico.
- Sou católico não-praticante.
- Olha, sinceramente... Começo a achar que esses rótulos religiosos exóticos servem como desculpa para evitar o ateísmo.
- O ateísmo é triste, você deve sentir um vazio enorme dentro de você.
- Não sinto. Não preciso de nada que me sustente ou que me dê forças.
- Todos precisamos sentir que somos protegidos 24 horas por dia por um ser superior.
- Um ser superior invisível? Desculpe, não entra na minha cabeça.
- Não quero ser inconveniente, mas e as coisas boas com as quais você é agraciado? Você não pensa em agradecer?
- Não. Penso que tudo que consegui foi com meu esforço, sem a ajuda de uma força maior.
- Estranho, não consigo ficar sem agradecer a Deus nem por um dia...
- “A Fé não dá respostas, só impede perguntas.”
- A Fé é a resposta, em si.
- A Fé é a causa de muitas guerras por esse mundo afora. Se todos fôssemos descrentes, não precisaríamos competir pra ver qual Deus é superior.
- Tem certeza que não está confundindo a igreja com Deus?
- Como assim?
- A religião é feita por homens, por isso é tão imperfeita, mas Deus...
- Foi feito por homens também.
- Discordo.
- Então como ele surgiu? Foi uma auto-fabricação?
- Esse é um dos dogmas de nossa religião...
- Como eu disse, a fé...
- Cuida, é responsável por espalhar o amor de Deus.
- E você acha que o amor de Deus é o mais importante?
- Ele deve vir acima de todas as coisas.
- Pois então, diga isso para uma mãe que acabou de perder o filho adolescente em um assalto, diga isso à menina de 8 anos que viu seu avô morrer e se pergunta todos os dias o motivo de sua morte, diga a um...
- São escolhas de Deus, podem parecer injustas, mas todos nós temos um destino traçado por Ele.
- Acho que concordamos em alguma coisa: karma.
- Exato, é preciso fazer escolhas que se refletirão no futuro...
- É preciso aceitar e respeitar o diferente...
- “É pelas próprias virtudes que se é mais bem castigado.”
- Um religioso citando Nietzsche?
- Veio ao caso, certo? Mas, o que você queria me falar no começo da conversa?
- Antes de tudo isso? Ah, sim. Você viu que o novo Papa é argentino?
- Brincadeira, né. Eles já têm o Messi e agora conseguiram o Papa também...
- Temos o Pelé, pelo menos...
- É, o “Deus do futebol”
- Mas isso não é dizer o nome de Deus em vão?
- ... Mas é algo tão comum de se dizer, né?




 Só uma crônica para alegrar (mais ainda) essa sexta-feira
Prometi que iria atualizar mais o blog nessas férias, mas uma arma branca chamada Cobras Criadas está tomando bastante o meu tempo...
Porém, as férias ainda não acabaram!
Mantenham as esperanças, ou não.
Fui

segunda-feira, 1 de julho de 2013

Camus na Linha 2 - Verde


O transporte público, agora pago com 3 reais novamente, é tachado como uma das coisas mais clichês da cidade grande.
Não há mais espaço para questionamentos quando se usa o ônibus ou o metrô, mas sim para pequenos cochilos, fones de ouvido, briga por assentos (de preferência, aqueles do lado de alguma janela) e algum eventual problema de funcionamento.

Rotina...

Era mais um sábado pegando o metrô da Linha Verde sentido Vila Madalena:
Tamanduateí - Sacomã - Alto do Ipiranga - Santos-Imigrantes - Chácara Klabin - Ana Rosa e...

E nada, não naquele dia.

Parei de ler meu texto das aulas de teatro e escutei a voz feminina que ecoava no vagão dizendo que aquele trem retornaria  para a Vila Prudente.
"A linha verde tá cada vez pior", pensei comigo mesma e saí do trem.
Mudei de plataforma na estação Ana Rosa e confundi o espaço-tempo: eram tantas pessoas que eu me senti no Brás, às 6 da tarde.
A voz feminina do além voltou e disse: "Devido à presença de usuário na via, todos os trem da Linha Verde estarão circulando com velocidade reduzida."
Eu ouvi diversos "aah", "se ferrar", "será que tem algum ônibus que vai daqui pra Paulista?", "brincadeira..."
Foram quase 20 minutos esperando um trem aparecer. Quando ele finalmente chegou, o caos se instalou, chegando ao nível de "Sé às 6 da tarde".
Quando me vi sentada, pessoas ao meu lado começaram a discutir o que houve.
"Um cara se jogou da plataforma da estação Clínicas e morreu, disseram que ele tá estatelado nos trilhos".
"Que horror".
"E por que não se mata em casa? Fica atrapalhando a vida dos outros...".

Opa! Seria esse o gancho para uma reflexão no transporte público da grande São Paulo?
É, foi.

Ofensa contra Deus, questão de honra ou, minha definição favorita feita por Albert Camus, "grande questão filosófica de nosso tempo, decidir se a vida merece ou não ser vivida é responder a uma pergunta fundamental da filosofia."
Seja qual for o termo que o designa, o suicídio sempre fora um assunto extremamente delicado, senão polêmico.
O rapaz do metrô foi uma das 24 pessoas que cometem suicídio por dia, no Brasil.
Porém, chega a ser insensível reduzir esse fato apenas a números...

"Foi só mais um..."

Tirar a própria vida é algo digno de um homem corajoso ou covarde?
Bom, depende de que parte do mundo e em qual época você está.

Na época dos samurais, se um guerreiro cometesse suicídio, ou o chamado seppuku, era respeitado por tentar restaurar sua honra. Ainda no Japão, mas alguns séculos depois, existiram os pilotos suicidas, que usavam capacetes(?), denominados kamikazes, que morriam em combate durante a 1ª Guerra Mundial.

Entretanto, a maioria das religiões desaprovam a ideia. Os cristãos e judeus dizem que se matar é um pecado gravíssimo, os islâmicos alegam que o suicídio é visto como uma descrença em Deus (alguém chama a Al-Qaeda e o Hamas no whatsapp e conte a grande novidade!) e os hindus e budistas também não simpatizam com a prática.

O fatídico "recurso final" pode acontecer por várias razões e só cabe aos passageiros do metrô daquele sábado ensolarado imaginarem o que ocorrera, de fato.

"Tristeza profunda..."
"Drogas, talvez?"
"Perdeu o emprego, aposto..."
"Acho que tinha alguma doença mental..."

Quando desembarquei na estação de sempre, pude ouvir a voz feminina do além uma última vez:
"A circulação de trens foi normalizada"
Isso, para mim, soou quase como: "Chega de existencialismo e volte ao seu texto do teatro".

Só quebrando um pouco o clima obeso do post:



É isso, gente
Minhas férias começaram! Então virão mais posts por aí, para a (in)felicidade de vocês!
Fui-me